Por que o TSE emite certificados digitais ilegais fora da ICP-Brasil?
Documentos oficiais revelam que o TSE mantém um sistema paralelo de certificação digital contrariando a legislação federal que obriga uso exclusivo da ICP-Brasil
Metodologia e Contexto
Esta análise baseia-se em documetos oficiais e publicações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)1, em um parecer da Procuradoria Federal Especializada da Advocacia-Geral da União no ITI2 e na legislação federal3. A questão ganha relevância com a iminente votação do novo Código Eleitoral no Senado Federal, agendada para 9 de julho de 20254, que representa uma oportunidade histórica para regularizar uma situação que perdura há mais de duas décadas.
O marco legal sem margem para interpretação
Uma análise de documentos oficiais e declarações públicas do Tribunal Superior Eleitoral revela uma contradição fundamental no sistema de certificação digital das urnas eletrônicas brasileiras. Enquanto a legislação federal determina o uso exclusivo da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil)5 para todos os órgãos da Administração Pública Federal, o TSE mantém um sistema paralelo de certificação há mais de duas décadas.
Desde 2001, a Medida Provisória nº 2.200-2 estabeleceu a ICP-Brasil como o único sistema oficial de certificação digital no país. A norma é expressa: somente documentos eletrônicos assinados com certificados digitais emitidos no âmbito da ICP-Brasil possuem presunção legal de veracidade em atos públicos. Diversos órgãos da Administração Pública Federal6 seguem rigorosamente essa determinação, incluindo Banco do Brasil, Defesa, Inmetro, Presidência da República, Receita Federal, Serpro e dezenas de outras entidades que operam suas autoridades certificadoras dentro do framework da ICP-Brasil.
O Parecer da Procuradoria Federal junto ao ITI/AGU estabelece claramente:
"Tratando-se de certificação digital, os órgãos e entidades da Administração Pública Federal devem,obrigatória e exclusivamente, se utilizar da certificação digital provida no âmbito da ICP-Brasil. Em consequência, qualquer outra espécie de certificação digital encontra-se, por força de expressa determinação regulamentar, vedada à Administração Pública Federal."7
O texto legal aplicável é igualmente claro:
"As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários".8
O sistema paralelo: uma escolha institucional
Apesar do marco legal inequívoco, o TSE mantém uma infraestrutura própria de certificação digital — a Autoridade Certificadora das Urnas Eletrônicas (AC-Urna)9 — que opera independentemente da ICP-Brasil. Esta autoridade certificadora emite todos os certificados digitais utilizados nas urnas eletrônicas para assinar documentos eletrônicos críticos do processo eleitoral10:
Zerésima (comprovante de que a urna estava zerada antes da votação)
Boletim de Urna (BU)
Registro Digital do Voto (RDV)
Log de Urna
O próprio TSE reconheceu publicamente essa situação em 2021, quando declarou que "O TSE pretende ainda futuramente adequar sua Autoridade Certificadora das Urnas Eletrônicas também aos padrões ICP-Brasil, para ser subordinada à cadeia v7 (E-521).11" Esta declaração confirma que os técnicos da Corte Eleitoral têm consciência de que operam fora do framework legal estabelecido.
A tentativa de regularização que não avançou
Em 2017, o TSE assinou um Acordo de Cooperação Técnica com o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI)12 para credenciar a AC-Urna dentro dos padrões da ICP-Brasil. O projeto visava "o aprimoramento da Autoridade Certificadora das Urnas Eletrônicas (AC-Urna) e o apoio técnico para a eventual implantação de Autoridade Certificadora da Justiça Eleitoral padrão ICP-Brasil".
Após oito anos, a AC-Urna continua fora da ICP-Brasil, sem explicações públicas detalhadas sobre os motivos. Esta situação sugere que a manutenção do sistema paralelo representa uma escolha institucional consciente, independentemente das exigências legais.
Comunicação técnica e transparência
O TSE frequentemente comunica que suas urnas "contam com certificação da ICP-Brasil”, referindo-se exclusivamente ao hardware — chips e algoritmos criptográficos. Esta é uma distinção técnica importante que pode gerar interpretações ambíguas sobre a real situação jurídica do sistema de certificação.
Quando a Corte Eleitoral anuncia que "Novas urnas eletrônicas contarão com certificação da ICP-Brasil"13, a certificação refere-se aos requisitos técnicos do hardware, não aos certificados digitais emitidos pela AC-Urna14. Esta distinção é fundamental: certificar hardware é diferente de certificar a autoridade certificadora que emite os certificados digitais das urnas.
Implicações práticas da não conformidade
A operação da AC-Urna fora da ICP-Brasil gera questões concretas:
Validade jurídica: Segundo a MP 2.200-2, Art. 10, § 1º15, apenas documentos eletrônicos assinados com certificados ICP-Brasil gozam de presunção legal de veracidade — os documentos da urna eletrônica não dispõem dessa presunção legal.
Auditoria independente: Terceiros interessados não conseguem validar os documentos eletrônicos gerados pela urna pelos mecanismos públicos e transparentes da ICP-Brasil16.
Controle externo: A AC-Urna não passa por auditorias externas exigidas pelo ITI e não publica a Declaração de Práticas de Certificação (DPC)17, documento técnico que descreve procedimentos de segurança.
Soluções técnicas disponíveis
Existem duas vias principais para regularizar a situação:
Credenciar a AC-Urna na ICP-Brasil18, submetendo-se a auditorias externas, publicando o DPC e aderindo às normas técnicas do ITI.
Adquirir certificados de autoridades já credenciadas na ICP-Brasil19, garantindo conformidade legal imediata.
Ambas as soluções são tecnicamente viáveis e juridicamente necessárias.
Oportunidade histórica no Senado Federal
Na próxima quarta-feira (9 de julho), os senadores da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) votarão o novo Código Eleitoral20. Esta representa uma oportunidade histórica para corrigir uma situação que perdura há 24 anos.
O novo Código Eleitoral já prevê regulamentação específica para auditoria das urnas eletrônicas, assegurando a diversas instituições o direito de fiscalização dos códigos-fonte, softwares e sistemas eletrônicos de votação. Este é o momento apropriado para incluir dispositivos que garantam a conformidade com a ICP-Brasil.
A questão institucional de fundo
O caso da AC-Urna ilustra uma questão institucional mais ampla: como garantir que o órgão responsável pela legitimidade do processo eleitoral opere dentro da própria legalidade? A Justiça Eleitoral não pode simultaneamente exigir conformidade legal de candidatos e partidos enquanto mantém sistemas próprios em situação de não conformidade.
A adequação à ICP-Brasil não representa interferência na autonomia da Justiça Eleitoral, mas sim o cumprimento de obrigações legais que se aplicam a todos os órgãos da Administração Pública Federal.
Recomendações para o novo Código Eleitoral
Para corrigir definitivamente essa situação, o novo Código Eleitoral deveria estabelecer:
Prazo determinado para credenciamento da AC-Urna na ICP-Brasil
Obrigatoriedade de auditoria externa dos sistemas de certificação
Publicação obrigatória da Declaração de Práticas de Certificação
Conformidade legal de todos os documentos eletrônicos gerados no processo eleitoral
Conclusão: legalidade como fundamento da transparência
Vinte e quatro anos após a criação da ICP-Brasil, a regularização da situação da AC-Urna permanece pendente. Esta questão compromete não apenas a segurança jurídica dos atos eleitorais, mas também a credibilidade institucional da Justiça Eleitoral.
Em um momento em que a confiança nas instituições democráticas é constantemente testada, manter sistemas paralelos de certificação representa um risco institucional desnecessário. A solução existe, é tecnicamente viável e é legalmente obrigatória.
A votação do novo Código Eleitoral no Senado Federal oferece uma oportunidade histórica para que a legislação estabeleça claramente os parâmetros de conformidade legal, garantindo que o sistema eleitoral brasileiro opere dentro dos marcos legais que regem toda a Administração Pública.
A transparência e a confiabilidade do processo eleitoral começam com o respeito às próprias normas legais. Esta é a oportunidade para que o Congresso Nacional garanta que a Justiça Eleitoral aplique a si mesma os mesmos padrões de legalidade que exige de todos os demais atores do processo democrático.
Excelente matéria que indica vulnerabilidades do proceesso, meios e necessidade de sanar estas deficiências. Não poderia ser mais tempestiva esta matéria, tendo em vista as apreciações ao tema que serão feitas pelo Congresso Nacional.
@grok
O TSE emite certificados digitais fora da ICP-Brasil para urnas eletrônicas visando controle autônomo da cadeia de segurança, sem dependências externas, alegando autonomia da Justiça Eleitoral.
Isso é considerado ilegal por violar o princípio da legalidade (art. 37 CF) e o Parecer AGU nº 00378/2019, que exige uso exclusivo da ICP-Brasil para atos públicos, conforme MP 2.200-2/2001, Lei 14.063/2020 e Decreto 10.543/2020, proibindo infraestruturas paralelas.
Fontes oficiais indicam uso parcial de ICP-Brasil em hardware, mas críticos afirmam que assinaturas de votos permanecem inválidas. https://grok.com
https://x.com/voto_legal_/status/1940953338301890652