Como resolver o impasse da urna eletrônica no Brasil
Por que não conseguimos ter voto auditável no Brasil? Uma escolha técnica cria um dilema constitucional: a urna eletrônica armazena dados do eleitor no mesmo equipamento que coleta seus votos.
O impasse que trava a auditoria
Ao guardar dados pessoais junto com os votos, a urna brasileira coloca em risco o sigilo do voto, no caso de falha, e torna impossível a adoção do comprovante impresso auditável. O Supremo Tribunal Federal já decidiu duas vezes que a impressão do voto é inconstitucional neste modelo atual.
O argumento do STF foi claro: caso ocorra uma falha no equipamento, a identidade do eleitor seria exposta ao lado do conteúdo do seu voto. Uma violação constitucional que inviabiliza qualquer forma de auditoria com papel.
Especialistas como Diego Aranha (ex-UNICAMP) já demonstraram que os arquivos atuais da urna contêm informações que permitiriam traçar perfis e, em certas circunstâncias, reconstruir sequências de votação. O risco não é teórico, é real e operacional.
A solução: urnas sem dados pessoais
Para resolver esse impasse, é necessário remover da urna os dados dos eleitores e realizar a identificação e autenticação de outra forma. A proposta é revolucionária em sua simplicidade.
Como funcionaria: identifica-se o eleitor em um sistema separado, que emite uma autorização anônima para ele votar. Com essa autorização, ele acessa uma urna qualquer, entre várias disponíveis no local de votação.
O resultado: todas as urnas seriam iguais em cada estado, realizando uma votação completamente anônima, mesmo em caso de problemas no equipamento. Sem dados pessoais na urna, não há como associar um eleitor ao seu voto.
Benefícios além da auditoria
Essa mudança não resolve apenas o problema constitucional. Traz eficiência prática:
Menos equipamentos: sem personalização por seção, é possível reduzir o número de urnas, gerando uma economia importante.
Logística simplificada: preparação e transporte mais fáceis.
Atendimento mais rápido, com uma fila única, para a identificaçaõ do eleitor, e outra, para a votação anônima.
O eleitor pode votar em qualquer urna, entre várias disponíveis.
Mais importante: permite a auditoria independente. Como defendem especialistas internacionais, como Ronald Rivest (MIT), sistemas de votação só são seguros se for possível verificar resultados independentemente do software. Para isso, os votos precisam ser públicos e auditáveis, mas desvinculados da identidade do eleitor.
Exemplos internacionais
A separação entre identificação e votação é comum em democracias desenvolvidas. Alemanha e Canadá exigem cédulas de papel contadas publicamente por autoridades locais, processo que reduz substancialmente disputas sobre resultados. Na França, eleitores recebem cédulas pré-impressas, votam em cabines isoladas e depositam votos em urnas fiscalizadas por autoridades locais. Na Alemanha, o processo é secreto e direto, com verificação de identidade separada do ato de votar. Esses países mantêm sigilo absoluto enquanto permitem verificação pública dos resultados.
A implantação do voto auditável permitiria a todo eleitor verificar o seu voto, e viabilizaria a contagem pública, para assegurar a publicidade dos atos eleitorais.
Como o eleitor confere o seu voto?
Com a separação dos dados pessoais, a urna pode imprimir um comprovante físico do voto sem risco constitucional. O eleitor veria seu voto impresso através de um visor transparente, confirmaria se está correto e autorizaria o depósito do comprovante em uma urna lacrada. Em caso de erro, poderia cancelar e votar novamente.
O comprovante seria legível pelo eleitor, mas depositado automaticamente - sem manuseio que comprometesse o sigilo. Cada voto teria um número sequencial aleatório, impossibilitando qualquer rastreamento posterior à identidade.
Como se fará a auditoria quando necessária?
A auditoria se tornaria simples e transparente. Os comprovantes físicos ficariam armazenados em urnas lacradas, permitindo recontagem manual sempre que necessário. Partidos, candidatos e cidadãos poderiam acompanhar todo o processo.
Além disso, os dados eletrônicos dos votos - agora desvinculados de qualquer informação pessoal - poderiam ser publicados integralmente na internet. Qualquer pessoa, instituição ou partido político poderia fazer sua própria contagem independente e verificar se os resultados oficiais estão corretos.
A implantação do voto auditável permitiria a todo eleitor verificar o seu voto, e viabilizaria a contagem pública, para assegurar a integridade dos resultados.
O caminho à frente
Não se trata apenas de uma questão técnica. É um imperativo constitucional e condição para reconquistar a confiança popular no sistema eleitoral.
O Congresso Nacional tem agora a oportunidade de corrigir esse desequilíbrio entre dois princípios constitucionais: o sigilo da identidade do eleitor e a publicidade do voto e da contagem pública. A solução existe, é usada em democracias maduras e devolve ao eleitor seus direitos fundamentais: sigilo inviolável e possibilidade de verificar a contagem com os próprios olhos.
O caminho está traçado. Cabe ao Parlamento percorrê-lo.