Por que o voto auditável precisa mudar antes que seja tarde
A proposta atual será rejeitada pelo STF pela terceira vez, se não for ajustada para eliminar o eventual risco ao sigilo do voto
Resumo
Se aprovado como está na emenda do Senador Esperidião Amin ao novo Código Eleitoral, o voto auditável com o comprovante impresso do voto será novamente declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, por unanimidade. Esta será a terceira decisão da Corte nesse sentido, e o argumento usado pelos ministros será exatamente o mesmo das vezes anteriores: o voto impresso colocaria em risco o sigilo do voto previsto no artigo 14 da Constituição Federal [1]. Para eliminar a razão que tornou inconstitucional o voto auditável, é indispensável remover da urna eletrônica qualquer dado do eleitor que possa vincular a sua identidade ao seu voto. Sem essa melhoria, o voto auditável será inevitavelmente considerado inconstitucional pelo Supremo, pela terceira vez [2][3].
A proposta de emenda representa o avanço necessário para atender aos requisitos de auditabilidade e de publicidade constitucional[4] das eleições brasileiras, fortalecendo a confiança democrática através de um sistema tecnicamente robusto e juridicamente inquestionável. Contudo, sua efetiva implementação requer ajustes técnico-jurídicos fundamentais para assegurar sua validade legal, constitucionalidade e viabilidade operacional.
Urna Eletrônica com o comprovante impresso do voto apesentada pelo TSE em 2017
Melhorias indispensáveis
Registro digital de cada voto com validade jurídica
A urna eletrônica deve gerar um documento eletrônico com validade jurídica para registrar cada voto individualmente, como determina o art. 59, §4º da Lei nº 9.504/1997[5].
Esse registro não pode ser consolidado em um arquivo coletivo sem individualização jurídica — como ocorre atualmente com o RDV — mas sim emitido separadamente, com assinatura eletrônica qualificada baseada em certificado digital ICP-Brasil[6]. A simples impressão de um comprovante não dá validade jurídica ao registro do voto. A lei exige a geração de um documento eletrônico assinado com um certificado digital ICP-Brasil, para assegurar a presunção legal de veracidade[7].
Implementação de baixo custo no curto prazo
A implantação do Registro Digital de Cada Voto (RDCV)[8] não implica custos adicionais relevantes e pode ser feita no curto prazo, eliminando o principal argumento contrário ao comprovante impresso: a complexidade logística de construir e distribuir cerca de 500 mil impressoras adicionais para as eleições de 2026.
Remoção de dados de eleitores das urnas
Os dados dos eleitores devem ser removidos das urnas, de forma a eliminar o fundamento que levou o Supremo Tribunal Federal a declarar inconstitucional o voto impresso [2][3] nas decisões anteriores. A separação entre a identificação do eleitor e a votação, em si, é condição indispensável para preservar simultaneamente o sigilo constitucional [1] e permitir a auditabilidade pública [4], sem deixar qualquer margem para discussão jurídica. A votação deve se tornar completamente anônima.
Divisão do processo de votação em duas etapas
O processo de votação deve ser dividido em duas atividades independentes, realizadas em espaços distintos:
Identificação e autenticação do eleitor online - com a entrega de uma senha de uso único (OTP) para cada votação, por mesários na entrada do local de votação.
Votação anônima - feita em uma de várias urnas iguais disponíveis, em outra área do local de votação separada por cordões de segurança.
Todas as urnas serão iguais - sem dados do eleitor, todas as urnas passam a ser iguais, assegurando o sigilo do voto, com a votação aleatória em qualquer urna. Esta padronização também facilita significativamente a manutenção, o treinamento de mesários e reduz custos operacionais de forma substancial.
A votação anônima, separada da identificação do eleitor, traz grandes vantagens logísticas, com a redução de custos: na diminuição do número de urnas necessárias, e na simplificação operacional e logística com todas as urnas iguais em cada unidade da federação. Será eliminado o custoso processo de personalizar cada urna eletrônica a uma sessão eleitoral específica, gerando economia estimada de milhões de reais em logística e configuração.
Essa separação pode ser comparada ao processo vivido por um passageiro em um aeroporto. Primeiro, o passageiro realiza o check-in no balcão ou usando o aplicativo da companhia aérea, onde se identifica e autentica sua viagem, recebendo um código único para prosseguir. Em seguida, passa de forma anônima por um dos vários equipamentos de raio-x no controle de segurança — todos idênticos e sem conexão direta com o check-in realizado. Da mesma forma, no processo eleitoral proposto, a identificação do eleitor ocorreria fora da urna, com o recebimento de uma OTP (senha única), enquanto a votação é feita de forma anônima e aleatória em qualquer urna disponível, sem qualquer vínculo com sua identidade.
Certificação independente obrigatória com 6 meses de antecedência
A urna eletrônica deve ser submetida a uma certificação técnica completa, abrangendo hardware, software e o processo de votação eletrônica, por laboratório independente credenciado no Inmetro. Este processo deve seguir padrões internacionais de auditoria eleitoral e ser finalizado com antecedência mínima de seis meses antes das eleições, garantindo tempo hábil para correções, auditoria independente dos resultados e assegurando que o equipamento atenda às especificações técnicas exigidas [10].
Congelamento e certificação do código-fonte
O código-fonte de todos os programas utilizados no sistema eletrônico de votação deve ser congelado com antecedência e submetido à certificação independente, garantindo que nenhuma alteração ocorra após a certificação, assegurando integridade e transparência.[10]
Um certificado digital ICP-Brasil em cada urna
Cada urna deve conter um certificado digital ICP-Brasil individual e único, necessário para gerar a assinatura eletrônica qualificada de todos os documentos oficiais emitidos pela urna: Zerésima, Registro Digital de Cada Voto (RDCV), Log de Urna e Boletim de Urna. Isso garante autenticidade, integridade e presunção legal de veracidade[7].
Auditoria independente com votação paralela
A auditoria do funcionamento da urna eletrônica deve ser conduzida por entidades independentes, com votação paralela em condições reais de uso, conforme previsto na Lei Eleitoral 9.504/1997[9]. A amostragem deve ser estatisticamente significativa para garantir validade dos resultados e identificar eventuais inconsistências.
Estas melhorias viabilizam a implantação gradual do comprovante impresso do voto, e eliminam argumentos contra a sua aprovação.
Cronograma de Implementação para 2026
Até setembro de 2025: Aprovação das mudanças legislativas
outubro de 2025 a março de 2026: Desenvolvimento e adaptação dos sistemas
abril a junho de 2026: Certificação independente e testes
julho a setembro de 2026: Treinamento e preparação logística
outubro de 2026: Implementação nas eleições
Conclusão
Esses ajustes são indispensáveis para transformar a necessária proposta do voto auditável em um modelo seguro, viável e juridicamente inquestionável perante o Supremo Tribunal Federal. Além de resolver as questões técnicas e jurídicas, essas mudanças representam um avanço significativo para o fortalecimento da democracia brasileira, aumentando a transparência e a confiança pública no processo eleitoral. A urgência é clara: sem essas mudanças, a proposta será novamente declarada inconstitucional, e o Brasil perderá mais uma oportunidade de aperfeiçoar seu sistema eleitoral com base em critérios técnicos e jurídicos sólidos, alinhados às melhores práticas internacionais.
Referências
[1] Art. 14 da Constituição da República Federativa do Brasil
[2] STF - Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4543
[3] STF - Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5889
[4] Art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil
[5] Lei nº 9.504/1997 (art. 59, §4º)
[6] Artigo: Por que o RDV atual é um problema?
[7] Parecer nº 00378/2019/PROFE/PFE-ITI/PGF/AGU
[8] Artigo: O que é o RDCV e como ele resolve esses problemas?
[9] Lei nº 9.504/1997 (art. 66, §6º)
[10] TCU - Auditoria da votação eletrônica: possibilidades de atuação do controle externo
[11] Acórdão nº 2522/2021 – Plenário do TCU