Por que a urna eletrônica brasileira é considerada inconstitucional na Alemanha?
O modelo de urna eletrônica adotado no Brasil viola princípios constitucionais de publicidade reconhecidos internacionalmente e rejeitados pela jurisprudência alemã.
Resumo: A urna eletrônica brasileira adota o modelo DRE (Direct Recording Electronic), que não permite recontagem pública nem verificação independente do voto. Esse modelo foi declarado inconstitucional na Alemanha por violar o princípio da publicidade do processo eleitoral, entendido como a possibilidade de qualquer cidadão verificar todas as etapas essenciais da eleição, inclusive a apuração dos votos. Especialistas e entidades internacionais são unânimes: sem um comprovante físico conferível pelo eleitor, não há como garantir a publicidade, a auditabilidade e a legitimidade democrática do voto.
Pontes de Miranda e a soberania popular: Pontes de Miranda, se vivo estivesse, diria com a tranquilidade dos sábios: a urna eletrônica brasileira, do jeito que está, seria inconstitucional — não só na Alemanha, mas em qualquer país onde o conceito de publicidade dos atos públicos seja levado a sério. Ninguém no Brasil compreendeu tão bem o espírito do direito constitucional comparado entre o nosso país e a Alemanha quanto ele. Pontes de Miranda já afirmava com clareza o que significa a publicidade dos atos administrativos: "sem publicidade, não há soberania popular autêntica; é necessário que o povo veja, compreenda e, se preciso, conteste os atos de quem exerce funções públicas em seu nome".
A decisão do Tribunal Constitucional da Alemanha: Na Alemanha, essa ideia virou jurisprudência. Em 2009, o Tribunal Constitucional Federal, a mais alta corte do país, olhou para as urnas do tipo DRE (Direct Recording Electronic), que não emitem comprovante físico do voto, e deu o veredito: inconstitucionais. Simples assim. O motivo? Elas impedem que qualquer cidadão, mesmo sem ser especialista em tecnologia, consiga verificar com os próprios olhos se o voto dado foi o voto registrado e contado. E isso, disse a corte, viola o princípio da publicidade das eleições — um princípio que não está apenas implícito na Lei Fundamental da Alemanha, mas que é a essência da legitimidade democrática.
Publicidade no Brasil: entre o texto e a prática: Por aqui, o artigo 37 da Constituição Federal fala o mesmo, mas o Brasil resolveu fazer de conta que não. Publicidade, no Brasil oficial, virou sinônimo de “confie em mim”. Confie no código-fonte que você não pode ver, nos servidores que você não pode auditar, no software que você não pode verificar. Tudo muito moderno — e rigorosamente inverificável.
Felipe Gimenez, promotor e estudioso do tema, afirma sem meias-palavras: não há publicidade se o povo não pode fiscalizar. Não adianta publicar boletins de urna depois da apuração, se o eleitor não tem como garantir, fisicamente, que seu voto foi computado corretamente. É o velho problema do mágico no palco: você só enxerga o que ele quer que você enxergue.
Novo modelo da urna eletrônica é apresentado pelo TSE, em 2017, com a impressão do voto
A impossibilidade de auditoria nos sistemas DRE: Diego Aranha, Silvio Meira, Ronald Rivest, o MIT Election Lab, a Verified Voting Foundation, o International IDEA e o Electoral Integrity Project são categóricos: urnas do tipo DRE, sem comprovante impresso do voto conferível pelo eleitor, não permitem auditoria independente. Não se pode auditar o que não se vê. E o Registro Digital do Voto (RDV)? Um arquivo eletrônico gerado pela própria máquina, sem qualquer comprovação externa — uma espécie de planilha sem presunção legal de veracidade porque não tem assinatura eletrônica qualificada com certificado digital da ICP-Brasil, exigida por lei.
O que a Alemanha rejeitou, o Brasil consagrou. Enquanto os alemães exigem que o processo eleitoral seja inteiramente visível ao cidadão comum, o Brasil blindou sua eleição com termos técnicos, jargões e barreiras de acesso. Não há imprensa que cubra, não há perito que fiscalize, não há eleitor que compreenda. Há apenas a fé na autoridade — o exato oposto do que prega o constitucionalismo moderno.
Hoje, chegou-se ao ponto de criminalizar quem ousa sugerir melhorias técnicas ao sistema eleitoral; em vez de debate, usa-se o peso do Estado para intimidar a auditoria independente, como se publicidade fosse ameaça, e não exigência constitucional.
Conclusão Se a urna eletrônica brasileira fosse submetida ao mesmo teste que a Alemanha aplicou às suas, cairia. E cairia feio. Não por fraude, mas por algo ainda mais grave: por impossibilidade de fiscalização. “A democracia vive da luz, da visibilidade, do controle. No escuro, não há república — só confiança cega.",afirmou Pontes de Miranda. E isso, em qualquer língua, é inconstitucional.
Referências jurídicas e técnicas (clique no link para acessar)
Lei Fundamental da Alemanha (Grundgesetz), art. 20 e jurisprudência BVerfG 2 BvC 3/07
Pontes de Miranda: “Os Fundamentos Actuaes do Direito Constitucional”,1932
Felipe Gimenez, depoimento na Audiência Pública na CCJ do Senado Federal, 2025
Verified Voting Foundation, “Resumo do problema com a votação eletrônica”, 2005
The Electoral Integrity Project, relatórios e rankings sobre integridade eleitoral global
TSE, “Novo modelo da urna eletrônica é apresentado aos ministros do TSE, 2017”