Confiança Técnica em Sistemas Eleitorais
Uma análise metrológica da confiabilidade dos sistemas eleitorais como instrumentos de medição da vontade popular.
Resumo: Este artigo propõe uma análise técnica do sistema eleitoral eletrônico a partir de conceitos consagrados na metrologia, como precisão, exatidão, resolução e incerteza. Tais conceitos, aplicados rotineiramente a instrumentos como balanças comerciais, oferecem uma base robusta para compreensão e fiscalização do processo de apuração do voto eletrônico. Defende-se que, assim como na metrologia, é indispensável uma cadeia de confiança com certificação, aferição e verificação independente.
Voto como Medida e Confiança como Base
Quando se pensa em sistemas eleitorais como ferramentas técnicas, é possível traçar um paralelo direto com instrumentos de medição. Um sistema eleitoral, ao fim e ao cabo, mede a vontade do eleitorado. Assim como uma balança mede o peso de um produto, um sistema eleitoral precisa registrar e apurar com precisão o voto individual, transformando-o em dados confiáveis que orientam decisões institucionais. A confiança nesse processo não é um adorno: é a base para que os resultados possam ser recebidos como legítimos e operacionais.
Precisão, Exatidão, Resolução e Incerteza
Assim como qualquer instrumento de medição, o sistema eleitoral deve seguir critérios rigorosos para que seus resultados sejam consistentes e verificáveis. Esses critérios envolvem quatro pilares fundamentais: precisão, exatidão, resolução e incertezas. A precisão se refere à capacidade do sistema repetir os mesmos resultados sob as mesmas condições. Já a exatidão diz respeito à proximidade entre o valor medido – neste caso, o total de votos atribuídos – e o valor verdadeiro da escolha do eleitorado.
A resolução, por sua vez, trata da menor variação detectável pelo sistema. Em pleitos com diferenças mínimas de votos entre candidatos, essa capacidade torna-se decisiva. Por fim, as incertezas de medição representam as margens inevitáveis de erro, que podem decorrer de fatores como falhas técnicas, ruídos nos dados ou interação inadequada entre homem e máquina. Esses conceitos, comuns na metrologia, são cruciais para garantir que uma eleição possa ser auditável e tecnicamente confiável, isto é, com baixa probabilidade de erros.
Parâmetros Técnicos e a Legitimidade da Medição
Em processos industriais, a confiança metrológica é sustentada por uma cadeia de confiança: certificação, aferição, manutenção e verificação independente. O mesmo princípio deve ser aplicado ao sistema eleitoral. A Lei 5.966, de 1973, que instituiu o Sistema Nacional de Metrologia, serve de base para esse raciocínio. Equipamentos como balanças comerciais só podem ser utilizados após aprovação de modelo, verificação inicial e inspeções periódicas. O mesmo deveria valer para os equipamentos de votação. [1]
Nesse contexto, o papel do órgão certificador é essencial. Deve haver verificação técnica do hardware, validação independente do software e inspeção da integridade do processo como um todo. Esse ciclo contínuo de aferição gera uma cadeia de confiança que precisa estar clara ao eleitor, mesmo que ele não tenha formação técnica. A clareza dos procedimentos, a transparência dos testes e a existência de mecanismos de recontagem são partes integrantes desta estrutura.
A Balança da Padaria
A metáfora da balança de padaria é útil aqui. O freguês vê o selo do Inmetro, acompanha a pesagem e pode solicitar a conferência do valor pago. De forma análoga, o eleitor deveria poder verificar que o equipamento está aferido, que seu voto foi corretamente registrado e que, em caso de dúvida, o processo permite a recontagem pública. Esses elementos não são símbolos de perfeição, mas de confiabilidade técnica – o que é bem diferente. [2]
Auditorias Pós-Eleitorais Obrigatórias
Nos Estados Unidos, o estado do Colorado adota auditorias pós-eleitorais obrigatórias conhecidas como Risk-Limiting Audits (RLAs), que utilizam métodos estatísticos para verificar se o resultado eletrônico de uma eleição corresponde ao resultado que seria obtido por uma contagem manual dos votos em papel. Essas auditorias são abertas ao público e geram evidências objetivas que aumentam a confiança no processo [3].
A Publicidade Constitucional
A experiência recente da Alemanha oferece um alerta importante. A Corte Constitucional Federal rejeitou o uso de sistemas eletrônicos de votação ao considerar que o processamento eletrônico é, por natureza, opaco para o eleitor comum, impedindo a formação de uma cadeia de confiança baseada em evidências objetivas. Nesse entendimento, o processo deve ser verificável por qualquer cidadão, mesmo sem conhecimentos técnicos especializados [4].
Aplicando ao sistema eleitoral
Em processos eleitorais, como em qualquer sistema de medição, é fundamental que existam condições razoáveis de aceitabilidade dos resultados. Isso envolve assegurar que o sistema e seus componentes foram certificados, aferidos, calibrados e operados dentro de parâmetros verificáveis.
Conclusão: A confiança no sistema eleitoral deve ser resultado de sua governança técnica, e não um ato de fé. A aplicação de conceitos metrológicos reforça a necessidade de auditabilidade plena, rastreabilidade e certificação independente de todo o ciclo de vida da votação eletrônica. Transparência e controle externo são os pilares para assegurar a legitimidade e operacionalidade dos resultados eleitorais.
Referências jurídicas e técnicas (clique no link para acessar)
[1] Lei nº 5.966, de 11 de dezembro de 1973. Institui o Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Sinmetro).
[2] Inmetro – Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia. Metrologia Legal no Brasil.
[3] Colorado Secretary of State. Risk-Limiting Audit Program.
[4] Lei Fundamental da Alemanha (Grundgesetz), art. 20 e jurisprudência BVerfG 2 BvC 3/07